segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Prece

A pequena cidade grande, seus sons, segredos e sonhos.
Os meninos, os explorados, os sem chance, as meninas.
A injustiça, a praça, a fonte, os escalpelados, os inocentes, as paradas de ônibus casa de lunáticos. 
Os que andam e os que atropelam, insanos do semáforo, da calçada, ossos quebrados que não curam, um hotel sem janelas nem portas, pútrido, as paredes e o piso, nele moram desesperados.
A chuva e o vento, no seu tempo, fazem o que querem.
Somos perfilados na faixas exclusivas rumo a extinção.
Demandas que não fazem sentido e a imaginação dos poetas da ala azul.
Vem o carnaval e suas delícias, burocratas fantasiados de bárbaros, ativistas educados pela TV, com medo trancados em seus quarto e sala.
Os livros empilhados na garagem do supermercado observados com desconfiança, nunca serão lidos.
Pára-brisas empapado pelas folhas do novo verão, opacas e com vergonha, como pequenos burgueses sem casa e ideologia.
Os velhos doces nos bancos das superquadras modelo, adestrados pra dizer não para o sonho e pro céu nu.
Nesse momento agonizam no terceiro andar, homens de pouca ética que desperdiçaram a coragem.
Esterilizado amor, segue na estrada asfaltada, plana e regular.
A história e seus lapsos, incoerências.
Que antes de morrer tenhamos o prazer da virtude dos revolucionários, porque perdão é fraqueza, não é amor, o que corrói mesmo é a culpa.
Onde está o bebê? O leite? A estratégia, o beijo que faltou na boca, o parágrafo sem virgula, os dentes amarelados do filho magoado, raivoso.
O paradigma secreto dos alcoólatras funcionais e seus planos espetaculares de viverem mais um dia.
As muitas mulheres que não foram amadas com a intensidade do deus moribundo.
"Pele e osso", suas últimas palavras, da mandíbula que se morde na angustiante espera do café ralo, amargo.
Nos corredores do hospital as preces são mais fervorosas e verdadeiras que nos templos religiosos. 

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