segunda-feira, 15 de junho de 2009

Às cinco da tarde.





A estrada acordou primeiro, e a reflexão me manteve alerta quase toda noite como se tivesse que me manter vivo por um processo de transfusão de força de vencer, como se a segunda fosse o começo da minha vida, como se na segunda tudo pudesse melhorar, na segunda tudo seria perdoado e esquecido. O som dos caminhões frenéticos cortando a artéria da cidade, despertam-me, de outro lugar que estive enquanto não dormia, um lugar onde o Sol brilha mas não esquenta, nem corpo nem alma, nada cresce, o leite não brota nas mulheres e os animais morrem de sede. Quando abri os olhos cheios de dor, mas uma dor que só enche-me de vontade de mudar o mundo. Percebi que tinha me transportado para o filme que assiste na tarde melancólica de domingo, em que a TV tem a insistente função de te anestesiar e te conduzir à silenciosa e casta rotina.

O filme às cinco da tarde é uma obra prima, o olhar de uma mulher (Samira Makhmalbaf) Contando a historia de outra mulher castigada por um sistema político cruel, sangrento e insano. Lugares como o Afeganistão, onde o filme se passa, me dão a impressão que ali, “até Deus morreu”. Não sou cético, não são palavras minhas. Só que às vezes vejo muito mais esse Deus em algumas mulheres, no amor que sinto por elas. Depois do filme deu-me vontade de pedir perdão para todas as mulheres que fiz sofrer, que deixei, que não as amei como deviam ser amadas. Queria poder dizer que não fiz por mal, é o desespero de fazer a diferença que me consome, não é por vaidade, mas pra melhorar a qualidade de vida a minha volta.

Lembrei de uma feminista que conheci em uma noite que nunca teve fim pra minha alma que ainda deseja amá-la como se fosse minha ultima chance. Seu jeito de encarar as coisas, que para muitos parecem simples e a sua fidelidade aos seus ideais. Mudaram a imagem estereotipada que tinha das feministas, o toque suave da minha boca na sua pele rosa, ainda me fazem sentir como se tivesse cinco metros de altura e fosse invencível. Alem da minha filha, Ela era a única pessoa que gostaria de abraçar e ver esse filme, nesse domingo só, como os abrigos improvisados do Afeganistão.

Espero que Deus esteja vivo.


Às cinco horas da tarde

Federico García Lorca

Às cinco horas da tarde.

Eram cinco da tarde em ponto.

Um menino trouxe o lençol branco

às cinco horas da tarde.

Um cesto de cal já prevenida

às cinco horas da tarde.

O mais era morte e apenas morte

às cinco horas da tarde.

O vento arrebatou os algodões

às cinco horas da tarde.

E o óxido semeou cristal e níquel

às cinco horas da tarde.

Já pelejam a pomba e o leopardo

às cinco horas da tarde.

E uma coxa por um chifre destruída

às cinco horas da tarde.

Os sons já começaram do bordão

às cinco horas da tarde.

As campanas de arsênico e a fumaça

às cinco horas da tarde.

Pelas esquinas grupos de silêncio

às cinco horas da tarde.

E o touro todo coração ao alto

às cinco horas da tarde.

Quando o suor de neve foi chegando

às cinco horas da tarde,

quando de iodo se cobriu a praça

às cinco horas da tarde,

a morte botou ovos na ferida

às cinco horas da tarde.

Às cinco horas da tarde.

Às cinco em ponto da tarde.

Um ataúde com rodas é a cama

às cinco horas da tarde.

Ossos e flautas soam-lhe ao ouvido

às cinco horas da tarde.

Por sua frente o touro já mugia

às cinco horas da tarde.

O quarto se irisava de agonia

às cinco horas da tarde.

A gangrena de longe já se acerca

às cinco horas da tarde.

Trompa de lis pelas virilhas verdes

às cinco horas da tarde.

As feridas queimavam como sóis

às cinco horas da tarde,

e as pessoas quebravam as janelas

às cinco horas da tarde.

Ai que terríveis cinco horas da tarde!

Eram as cinco em todos os relógios!

Eram cinco horas da tarde em sombra!

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